Contrastes.

Eu passava pela rua, em um carro, o sinal ficou vermelho, enquanto vi algo que provavelmente nunca vou esquecer. Vi uma mulher, uma mulher de rua, que dormia no chão, em um papelão. As roupas dela eram surradas, notava-se facilmente que não se tratava de uma mulher velha, mas sim uma mulher jovem cuja vida tinha sido tomada pela miséria, tudo nela havia sido envelhecido precocemente, tudo. O mais irônico disso foi que ela estava deitada na calçada de um prédio, não um simples prédio, mas um prédio cujos habitantes possuíam dinheiro, era perceptível. Era um prédio grande, luxuoso, situado em um bairro nobre. Tudo parecia tão natural, tudo tão normal, nada fora do comum. Mas dentro de mim um pensamento crítico percorreu meu corpo. Os contrastes. De um lado o dinheiro, as posses, a super valorização do ter, dos bens materiais. Do outro lado estava o pobre, a desvalorização, o desrespeito com a vida, o nada. Mesmo percebendo que todos que estavam no carro procuravam não olhar para fora, não notar a presença daquela mulher que nada fazia contra ninguém, mas incomodava tanto, incomodava ao eu interior das pessoas. Incomodava a dignidade de cada um. Incomodava porque todos do carro percebiam a injustiça, a tristeza, a descrença estampada no rosto daquela mulher que ninguém conhecia, mas que todos imaginavam a história. Naquela hora a minha vontade era de jogar tudo, tudo que havia no carro, entregar todo dinheiro que eu tivesse para ela, mudar a vida de alguém. Mas como de rotina, o sinal abriu, o carro saiu em disparada. E lá ficou a mulher, exatamente como antes: sozinha, vivendo na miséria. E lá ficaram os moradores do prédio: com tudo que o dinheiro pode oferecer, aproveitando enquanto a sorte, a oportunidade e o trabalho ainda estão do lado deles. Aproveitando enquanto ainda pode, afinal, o mundo é feito de contrastes e quem sabe, algum dia, não vão ser eles que vão estar ali? Agradecemos todos os dias por estarmos do outro lado da moeda, por estarmos na parte "boa" do contraste.