Inevitável

 Eu tava passando por uma avenida bem movimentada. A medida que os meus olhos passam à velocidade do carro, identifico um canal, uma praça abandonada e sentado no chão, um homem. E eu pude sentir toda a sua vida. Sentado naquele chão duro, empoeirado, ao lado daquele canal fedido, olhado vagamente para onde se situava. Sem esperança. Sem motivação na vida. Seus olhos já não brilhavam mais. As mulheres não conseguiam ver o homem por trás daquela barba grande, cinzenta. Sem companhia nenhuma... apenas aquelas nos becos da vagabundagem. Não sabia se tinha filhos, e se tivesse, não se achava digno de ter. E aquele olhar perdido olhava sem direção. Já havia provado de todas as amarguras da vida, que lhe destruiram pouco a pouco. Drogas, violência, dor, raiva, fome, sede, que sofria desde a infância e que só o sono forçado fazia esquecer. Já havia tomado tantos caminhos... e nenhum funcionou. E quando vinha aquela vontade de reconcertar a vida, de fazer TUDO diferente, de mudar radicalmente... Arranjar um trabalho, se esforçar, batalhar, ser um vencedor, ganhar dinheiro justamente, comprar uma casa...Sonhos demais pra quem só tinha uma visão de vida: pedir esmola desde criança. Quando começava, desistia logo. Era muito difícil. Ninguém disse que a vida era fácil.  Amor, respeito, liderança, solidariedade, esperança, afeto, ajuda, esforço, vida... palavras que para ele não tinham significado. Voavam em seu tempo sem ter um lugar em que se encaixassem. Ele nunca soube havia uma saída, que ele não precisava ser mantido no fundo do poço. Mas a vida é feita de escolhas. E como mais uma que ele toma errada, olha em volta, enxerga sua pobreza representada por sucata e olha pra trás, enxergando os carros importados daquela elite, e se joga no canal. Nunca soube nadar. E foi sendo consumido pela aquela lama gosmenta, pelo lixo com o que ele identificava sua personalidade. Se sentia semelhante àquilo. E sem relutar, se afogou na própria solidão e falta de esperança. Sem nem lutar para sobrevier. Mais uma vez. Para ele, de que adiantaria?